quarta-feira, 24 de junho de 2015

"Consertando Frank" – A Manipulação como Mola Mestra

O TEATRO QUE EU VI - TEXTO ESCRITO EM 03/04/2015


Em tempos de bandeiras moralistas em contraponto a ventos de tolerância, quando deputados e senadores sobem à tribuna vociferando contra lésbicas octogenárias da ficção e mudanças para aceite de legalização das relações homo afetivas, nada mais oportuno do que levar o tema para o palco, ainda uma tribuna para discussões polêmicas.

Afinal, existe ou não a famigerada “cura gay”? Essa questão é o ponto de partida da peça “Consertando Frank” (Teatro MUBE, Rua Alemanha, 221), escrita pelo americano Ken Hanes e dirigida de forma impecável por Marco Antônio Pâmio.

Divertido e espirituoso, o jornalista e escritor Frank Johnston (Chico Carvalho) é o que poderia se chamar “uma bicha alegrinha”. Aparentemente bem resolvido quanto à sua sexualidade, aceita a sugestão do namorado, o terapeuta Jonatha Baldwin (Rubens Caribé) para, juntos, desmascararem outro terapeuta, o Dr. Arthur Apsey (Henrique Schafer), um suposto charlatão que diz promover em suas terapias a cura de pacientes gays, trazendo-os de volta aos trilhos da, digamos, “normalidade”. Além de ajudar o namorado, Frank teria a oportunidade de escrever um artigo consistente, ao invés de artigos sobre flores e amenidades, sua marca registrada.

O que, a princípio, pareceu uma diversão para Frank, aos poucos, se lhe revela algo mais que isso: um jogo de resultados imprevisíveis. Difícil saber qual dos jogadores é o mais implacável. Ao expor o namorado ao método do rival na intenção de desmascará-lo Jonatha pode estar sendo infinitamente mais cruel, uma vez que o segundo não tem qualquer vínculo afetivo com o paciente. Nessa disputa insana entre os dois experimentados terapeutas, o vulnerável Frank poder ser, talvez, o mais duramente atingido e o estrago será a medida que decidirá a partida.
Na condução desse intrigante jogo, a direção segura de Pâmio conta com uma cenografia funcional do premiado Chris Aizner, que mistura e ao mesmo tempo separa os dois mares em que o frágil Frank mergulha, sem saber onde está o porto seguro.

No elenco, Henrique Schafer e Rubens Caribé estão impecáveis como os dois terapeutas rivais, mas é Chico Carvalho o dono da bola. Navegando entre mentiras e verdades, alegrias e tristezas, muitas dúvidas e poucas certezas, o ator dá um show de encantadora interpretação. Maravilhoso!

Para os desavisados, “Consertando Frank” não se limita a ser uma peça que discute sexualidade, cura gay e afins. É acima de tudo, uma contundente reflexão sobre a crueldade da manipulação psicológica, que encontra terreno fértil na alma de pessoas fragilizadas. É também uma instigante avaliação sobre o grau de violência que nossa mente pode sofrer a partir, justamente, de pessoas a quem amamos e em quem confiamos. Brilhante!

capa do Programa

Henrique Schafer, Chico Carvalho e Rubens Caribé, desempenhos brilhantes

 Chico Carvalho e Rubens Caribé

Henrique Schafer e Chico Carvalho 

 Chico Carvalho e Rubens Caribé

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