Todo homem precisa de um abraço, não importa o quão
empedernido possa estar seu coração. A busca do afeto é inerente à natureza até
dos bichos. Muitas vezes um ombro amigo nos salva em momentos menos felizes e
alumia labirintos em que nos encontramos perdidos, permitindo que nossa jornada
se torne menos penosa.
Por outro lado, os universos de jovens e velhos são como
duas encostas de um desfiladeiro e, não raro, pode inexistir uma ponte que os
una de forma satisfatória. Mas essa possibilidade de solidariedade entre esses
dois mundos diametralmente opostos existe e é disso que trata o espetáculo
“Visitando o Sr. Green”, em cartaz no Teatro Jaraguá (Rua Martins Fontes, 71).
Escrita pelo dramaturgo americano Jeff Baron, a peça já teve
uma montagem brasileira, de grande sucesso, no ano 2000, tendo o legendário
Paulo Autran como protagonista ao lado de Cássio Scapin, que assina a direção
da atual montagem.
Após envolver-se num acidente de trânsito, o jovem Ross
Gardner recebe, como punição da justiça, a incumbência de realizar um trabalho
assistencial: visitar semanalmente, durante seis meses e prestar ajuda à sua
vítima, um irascível ancião judeu, o Sr. Green. Intolerante e ranzinza, o velho
octogenário não se mostra disposto a facilitar as coisas para o rapaz. Do
estranhamento inicial, a relação de ambos evolui para um mundo de descobertas,
onde cada um deles vai revelando, aos poucos, as sombras de suas almas. O
resultado é um embate de valores que culmina em momentos de genuína emoção.
Profundo conhecedor do texto, Cássio Scapin conduz a
encenação com olhar atento e carinhoso, explorando ao máximo as contradições de
cada personagem e as múltiplas possibilidades dos seus atores. O resultado é
delicioso.
Sérgio Mamberti, veterano dos palcos (Noite dos Campeões,
Chuva, O Diário de Anne Frank, Pérola, entre tantos outros momentos
brilhantes), depois de uma pífia incursão pelos meandros do governo petista,
retorna ao que melhor sabe fazer: arrasar sobre o tablado. Na pele do solitário
viúvo, sozinho com suas lembranças e que encontra num intruso o descortinar de
um novo horizonte, ele está, no mínimo, magistral.
Para viver o jovem Ross, a escolha de Ricardo Gelli não
poderia ser mais acertada. Se firmando como um dos melhores atores de sua
geração, Gelli, mais uma vez, tem uma atuação pungente, prenhe de sentimentos
verdadeiros. Absolutamente pleno, desenvolve sua personagem com requintes
filigramáticos, modificando até o brilho do olhar que o jovem executivo vai
adquirindo à medida que convive com aquele homem que, aparentemente, só tem no
horizonte a expectativa da morte. Ross, aos poucos vai iluminando a sala,
retirando a poeira, removendo os entulhos e abrindo as janelas para um novo
despertar do velho Sr. Green. Ao mesmo tempo, ele reflete sobre seus equívocos
e se liberta das amarras que o impedem de ser feliz e viver em plenitude sua
própria vida. Um deslumbre!
Após 15 anos da primeira montagem, é de se supor que alguns
discursos, aqui e ali estejam datados, especialmente quando se vê casais gays
oficializando relações estáveis e andando de mãos dadas nas ruas centrais e
alguns shopping centers da cidade de São Paulo, mas é preciso considerar que
isso é meramente geográfico e a realidade, para a imensa maioria, ainda é de intolerância
e incompreensão. Basta para isso, ver os arroubos homofóbicos de deputados no
Congresso e a onda de políticos retrógrados, com bancadas de evangélicos,
bancada da bala e outras frentes com os pés no que há de mais abjeto no
retrocesso e na intolerância às diferenças. E tudo, saliente-se, com as bênçãos
do governo central, em nome de uma suposta governabilidade. Não nos enganemos,
o preconceito vai persistir por muito tempo mais.
Também é oportuno um olhar mais apurado sobre a realidade
solitária dos velhos que, graças a uma cada vez maior longevidade, num mundo
feito para os mais jovens, se transforma num peso para a sociedade, não
obstante sua contribuição ao longo dos verdes anos.
Esse contexto justifica, plenamente, a nova montagem do
texto, que conta, para seu pleno brilho com um cenário funcional da dupla Chris
e Nilton Aizner, a iluminação sempre eficiente de Wagner Freire e a trilha
musical linda de Daniel Maia. Uma equipe de ouro, enfim, para um espetáculo
carregado de emoção e brilhantemente conduzido por dois atores em perfeita
sintonia. Um belíssimo encontro, num oportuno revival. Vale a visita!
| Visitando o Sr. Green - CARTAZ |
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| Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green |
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| Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green |
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| Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green |
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| Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green |
Fotos: divulgação




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