quarta-feira, 24 de junho de 2015

Visitando o Sr. Green – O Poder da Amizade

O TEATRO QUE EU VI - TEXTO ESCRITO EM 16/05/2015



Todo homem precisa de um abraço, não importa o quão empedernido possa estar seu coração. A busca do afeto é inerente à natureza até dos bichos. Muitas vezes um ombro amigo nos salva em momentos menos felizes e alumia labirintos em que nos encontramos perdidos, permitindo que nossa jornada se torne menos penosa.

Por outro lado, os universos de jovens e velhos são como duas encostas de um desfiladeiro e, não raro, pode inexistir uma ponte que os una de forma satisfatória. Mas essa possibilidade de solidariedade entre esses dois mundos diametralmente opostos existe e é disso que trata o espetáculo “Visitando o Sr. Green”, em cartaz no Teatro Jaraguá (Rua Martins Fontes, 71).
Escrita pelo dramaturgo americano Jeff Baron, a peça já teve uma montagem brasileira, de grande sucesso, no ano 2000, tendo o legendário Paulo Autran como protagonista ao lado de Cássio Scapin, que assina a direção da atual montagem.

Após envolver-se num acidente de trânsito, o jovem Ross Gardner recebe, como punição da justiça, a incumbência de realizar um trabalho assistencial: visitar semanalmente, durante seis meses e prestar ajuda à sua vítima, um irascível ancião judeu, o Sr. Green. Intolerante e ranzinza, o velho octogenário não se mostra disposto a facilitar as coisas para o rapaz. Do estranhamento inicial, a relação de ambos evolui para um mundo de descobertas, onde cada um deles vai revelando, aos poucos, as sombras de suas almas. O resultado é um embate de valores que culmina em momentos de genuína emoção.

Profundo conhecedor do texto, Cássio Scapin conduz a encenação com olhar atento e carinhoso, explorando ao máximo as contradições de cada personagem e as múltiplas possibilidades dos seus atores. O resultado é delicioso.

Sérgio Mamberti, veterano dos palcos (Noite dos Campeões, Chuva, O Diário de Anne Frank, Pérola, entre tantos outros momentos brilhantes), depois de uma pífia incursão pelos meandros do governo petista, retorna ao que melhor sabe fazer: arrasar sobre o tablado. Na pele do solitário viúvo, sozinho com suas lembranças e que encontra num intruso o descortinar de um novo horizonte, ele está, no mínimo, magistral.

Para viver o jovem Ross, a escolha de Ricardo Gelli não poderia ser mais acertada. Se firmando como um dos melhores atores de sua geração, Gelli, mais uma vez, tem uma atuação pungente, prenhe de sentimentos verdadeiros. Absolutamente pleno, desenvolve sua personagem com requintes filigramáticos, modificando até o brilho do olhar que o jovem executivo vai adquirindo à medida que convive com aquele homem que, aparentemente, só tem no horizonte a expectativa da morte. Ross, aos poucos vai iluminando a sala, retirando a poeira, removendo os entulhos e abrindo as janelas para um novo despertar do velho Sr. Green. Ao mesmo tempo, ele reflete sobre seus equívocos e se liberta das amarras que o impedem de ser feliz e viver em plenitude sua própria vida. Um deslumbre!

Após 15 anos da primeira montagem, é de se supor que alguns discursos, aqui e ali estejam datados, especialmente quando se vê casais gays oficializando relações estáveis e andando de mãos dadas nas ruas centrais e alguns shopping centers da cidade de São Paulo, mas é preciso considerar que isso é meramente geográfico e a realidade, para a imensa maioria, ainda é de intolerância e incompreensão. Basta para isso, ver os arroubos homofóbicos de deputados no Congresso e a onda de políticos retrógrados, com bancadas de evangélicos, bancada da bala e outras frentes com os pés no que há de mais abjeto no retrocesso e na intolerância às diferenças. E tudo, saliente-se, com as bênçãos do governo central, em nome de uma suposta governabilidade. Não nos enganemos, o preconceito vai persistir por muito tempo mais.

Também é oportuno um olhar mais apurado sobre a realidade solitária dos velhos que, graças a uma cada vez maior longevidade, num mundo feito para os mais jovens, se transforma num peso para a sociedade, não obstante sua contribuição ao longo dos verdes anos.


Esse contexto justifica, plenamente, a nova montagem do texto, que conta, para seu pleno brilho com um cenário funcional da dupla Chris e Nilton Aizner, a iluminação sempre eficiente de Wagner Freire e a trilha musical linda de Daniel Maia. Uma equipe de ouro, enfim, para um espetáculo carregado de emoção e brilhantemente conduzido por dois atores em perfeita sintonia. Um belíssimo encontro, num oportuno revival. Vale a visita!


Visitando o Sr. Green - CARTAZ

Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green 

Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green 

Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green 

Ricardo Gelli e Sérgio Mamberti em Visitando o Sr. Green 
Fotos: divulgação

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